'Retórica do medo': Por que Trump ameaça tomar à força a Groenlândia e o Canal do Panamá?

Presidente eleito dos EUA,Donald Trump — Foto: Rebecca Noble /Getty Images via Bloomberg

RESUMO

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GERADO EM: 08/01/2025 - 00:07

Trump provoca com ambições expansionistas e estratégias geopolíticas

Trump surpreende com ambições expansionistas,ameaçando Groenlândia e Panamá. Retórica visa tensionar negociações,demonstrar poder militar e econômico,e enviar recados à China e Otan. Planos de anexar Canadá revelam estratégia comercial. Provocações anteriores resultaram em avanços diplomáticos.

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Desde que garantiu seu retorno à Casa Branca em novembro,Donald Trump tem surpreendido até mesmo aliados ao manifestar publicamente suas ambições expansionistas. Em uma coletiva de imprensa na terça-feira,o republicano disse que não descarta usar aparato militar para tomar o Canal do Panamá ou a Groenlândia,território autônomo que faz parte da Dinamarca,repetindo ameaças ecoadas nos últimos dois meses. Não escapou nem o vizinho Canadá,que ganhou do magnata a alcunha de "51º estado" americano.

Mas se durante a campanha eleitoral o magnata se gabou de que nenhuma guerra havia começado no seu primeiro mandato — em referência aos conflitos na Ucrânia e em Gaza que emergiram sob o governo de Joe Biden —,por que ele agora aposta na retórica do medo contra seus próprios aliados?

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Para Lucas de Souza,analista político e professor da Universidade Temple,na Pensilvânia,o discurso inflamado do presidente eleito esconde interesses que vão além do aparente imperialismo à primeira vista.

— Essa retórica tem a ver com o cenário pós-eleição: uma das suas principais ideias era alegar que os EUA não eram mais temidos no exterior e,por isso,a Rússia teria investido contra a Ucrânia — contextualiza Souza ao GLOBO. — Hoje existe um temor quanto à deflagração de novas guerras,por isso eu enxergo essa verborragia mais como uma forma de evitar que mexam com os EUA em qualquer instância do que um desejo de engajar de fato numa ação militar.

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Um olho no Panamá e outro na China

Cada um dos alvos teria uma motivação diferente,afirma Souza. No caso do Panamá,as ameaças partem tanto de uma tentativa de diminuir as tarifas pagas pelos Estados Unidos quanto de passar uma imagem de força. A estratégica passagem entre os oceanos Atlântico e Pacífico,por onde cerca de 14 mil navios cruzam anualmente,esteve sob controle dos EUA durante décadas após sua finalização,em 1914,até ser devolvida ao Panamá em 1999.

Atualmente,dois portos do canal são administrados por empresas de Hong Kong. Com a iminência de uma guerra comercial com a China e o aumento de tarifas a produtos estrangeiros,a retórica pode servir aos interesses econômicos dos EUA. De acordo com um conselheiro de Trump ouvido pela CNN sob anonimato,a redução nas taxas pagas por navios americanos ajudaria o governo a compensar o impacto inflacionário do "tarifaço" prometido pelo republicano na economia americana.

Por outro,Souza avalia que as ameaças seriam uma forma de Trump reafirmar o poderio militar americano a Pequim sem comprar uma briga direta.

— Para acenar à sua base,é mais fácil falar do Panamá do que de Taiwan,por exemplo,que poderia gerar uma catástrofe — pontua. — Como estratégia militar,para apresentar os EUA como um país a ser temido,faz muito mais sentido ameaçar o Panamá,um país de pequena extensão territorial da América Latina. Os EUA precisam ser precavidos para não atiçar nações com um forte poderio.

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Groenlândia e o recado à Otan

Maior ilha do mundo e rica em petróleo e minerais,a Groenlândia é alvo de interesses internacionais há bastante tempo. No seu primeiro mandato,Trump já havia dito que gostaria de comprar o território dinamarquês de 55 mil habitantes,ecoando o ex-presidente americano Harry Truman,que chegou a oferecer US$ 100 milhões pelo território ao final da Segunda Guerra.

Há vários motivos pelos quais a Groenlândia serviria aos Estados Unidos. Do ponto de vista militar,a região está localizada estrategicamente entre o país e a Europa,abrigando o posto mais ao norte das Forças Armadas americanas,além de instalações espaciais,radares e um sistema de alerta de mísseis essencial para repelir um eventual ataque de Moscou.

Economicamente,a região é rica em terras raras,essencial na indústria de alta tecnologia para a produção de carros elétricos,turbinas eólicas,além de equipamentos militares. Hoje,a China lidera a produção global dos minerais,e o país já ameaçou restringir a sua exportação diante das ameaças comerciais de Trump. Para Klaus Dodds,professor da Universidade de Londres,"não há dúvida de que Trump e seus assessores estão muito preocupados com o domínio que a China parece ter",disse em entrevista à CNN americana.

— Acho que o objetivo da Groenlândia é realmente manter a China afastada — afirmou Dodds.

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Souza,porém,observa um aspecto geopolítico. Para o professor,o recente interesse na região seria também um recardo à Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan),aliança militar liderada pelos EUA da qual a Dinamarca faz parte. Na mesma coletiva em que o magnata sinalizou uma possível ação militar para tomar a Groenlândia,ele defendeu que os Estados-membros do grupo aumentassem os gastos militares para 5% do seu PIB — hoje fixados em 2%,uma meta que muitos não conseguem cumprir.

— A Groenlândia é um recado à Otan,para mostrar que diante de qualquer divergência que não favoreça o maior acionista da aliança,os americanos podem agir caso os demais membros não se comportem — analisa Souza. — A estratégia de Trump é lidar com seus parceiros como se fosse uma grande empresa. Na medida em que eles não estiverem em concordância com a visão de mundo dos EUA,existe uma carta na manga.

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A provocação contra o Canadá

O modus operandi trumpista fica ainda mais evidente ao analisar a proposta — talvez a mais absurda delas — de anexar o Canadá,um dos mais próximos aliados dos EUA. Embora aparentemente menos séria do que as demais declarações,Trump vem insistindo na provocação desde que jantou com o primeiro-ministro canadense,Justin Trudeau,em novembro,quando chamou o país pela primeira vez de o "51º estado" americano.

A jogada aconteceu na esteira de outra suposta bravata: a promessa de taxar em 25% produtos canadenses caso o país,juntamente com o México,não haja contra a imigração na fronteira com os EUA. A ameaça,muito mais concreta do que uma anexação,acendeu o alerta em Ottawa,levando Trudeau a reafirmar o compromisso com o vizinho e motivando o jantar em Mar-a-Lago onde as provocações começaram.

— Se trata de uma questão comercial que dificulta a relação entre os dois países,que são concorrentes em uma série de mercados,como de tecnologia,petróleo,automóveis — explica Souza. — Trump é um empresário. Na cabeça dele,seria muito mais fácil,do ponto de vista comercial,transformar o Canadá em uma joint venture.

Esta não seria a primeira vez que um tensionamento teria servido a Trump. Souza lembra que,no primeiro mandato,a retórica inflamada contra a Coreia do Norte permitiu,paradoxalmente,a aproximação entre os dois países.

— No primeiro mandato,durante o embate com a Coreia do Norte e todos os testes nucleares que foram desenvolvidos,uma frase de Trump que ficou em voga naquela época foi quando ele disse que resolveria com “fogo e fúria” — conta. — Isso levou a um recuo diplomático da Coreia do Norte,que facilitou o encontro histórico entre os dois chefes de Estado.

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