A tragédia que uma parte do Rio não quer ver

Ato da ONG Rio de Paz contra a morte de crianças por balas perdidas — Foto: Fabiano Rocha / Agência O Globo

RESUMO

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GERADO EM: 02/01/2025 - 21:21

Prefeito do Rio remove cartazes de protesto contra mortes de crianças: luta pela visibilidade e combate à violência.

Prefeito do Rio manda retirar cartazes de protesto contra mortes de crianças por bala perdida. Atitude causa perplexidade. História de apagamento e invisibilidade é denunciada. Combate à violência é urgente. Estatísticas alarmantes destacam a gravidade da situação. Movimentos de conscientização são cruciais,mas enfrentam obstáculos conservadores.

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A ONG Rio de Paz escolheu o último sábado de 2024 para ratificar a luta travada contra a violência que,em quatro anos,ceifou a vida de 49 crianças no Estado do Rio. Instalaria na Lagoa Rodrigo de Freitas,um dos cartões-postais da capital fluminense,fotografias de cada menina e cada menino mortos por bala perdida desde 2020. Dias antes,exibira as mesmas imagens em ato nas areias da Praia de Copacabana,cenário igualmente marcante de atuação da organização. O fim de ano seguiria seu curso,não fosse a decisão do prefeito Eduardo Paes de mandar retirar,sem aviso prévio,os cartazes de uma manifestação que,há quase uma década,ocupa o mesmo endereço sem licença oficial.

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O prefeito,ora empossado para o quarto mandato,apelou à ordem pública para justificar o arbítrio. Rememorou um símbolo dos seus primeiros quatro anos no cargo. Acertou quem vislumbrou o aceno de um potencial candidato a governador a porções conservadoras do eleitorado fluminense,gente que vibra com higienismo social e detesta “ongueiros”. Paes disse que qualquer homenagem precisa de autorização da prefeitura,“mediante a apresentação de um pedido formal”. Nem parecia o mesmo político que,dois anos atrás,elogiara a Rio de Paz no documentário “A estética da luta”,de Guillermo Planel:

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— Se gosto daquelas fotos na Lagoa Rodrigo de Freitas,certamente não. Adoraria chegar lá e dizer: “Não pode mais isso”. Mas é uma realidade da cidade. Acho que o espírito provocador de quem cutuca,de quem trabalha com muita competência a imagem para chamar atenção,é muito importante para a cidade. Estamos falando de vidas que se perderam pela violência do Rio. O que a ONG faz é dar um tapa na cara de todos nós,independentemente da função social,da posição que a gente ocupa,para chamar atenção para isso: “Não é normal a gente ter essa quantidade sendo assassinada nessa cidade permanentemente,por causa da violência”.

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Em nota,a prefeitura avisou que avalia a pertinência de manter a homenagem a policiais militares assassinados,também há anos no local:

— O município tem total interesse em combater a violência,prestar justas homenagens às suas vítimas e está aberto para debater qualquer tipo de iniciativa,desde que seja previamente consultado.

Às vésperas dos Jogos Olímpicos de 2016,moradores da Lagoa já tinham instado um subprefeito de Paes a retirar da orla as peças que denunciavam a violência homicida e,ao mesmo tempo,homenageavam as vítimas. Nunca incomodou que a área,na origem Piraguá ou Sacopenapã,leve o nome de Rodrigo de Freitas,último proprietário do engenho ali em operação,adquirido do sogro em 1707. Nem que a vizinhança ostente um edifício Borba Gato,o bandeirante paulista que,além de fugitivo da lei e contrabandista de ouro,segundo Laurentino Gomes,autor da trilogia “Escravidão”,“fez fama e fortuna na segunda metade do século XVIII percorrendo os sertões brasileiros à caça de indígenas para escravizar”.

A História costuma ser contada por vencedores; aos derrotados,o apagamento,a invisibilidade. Na esteira de pesquisas e vontade política,muito do que estava soterrado havia séculos emergiu em décadas recentes,num movimento tão justo quanto pedagógico. Indígenas,negros,mulheres,aos poucos,tomam ciência da relevância que tiveram — e têm — na construção de cidades,estados,do país,na luta por direitos.

Denunciar violências é meio de combatê-las. Da coragem de Maria da Penha Maia Fernandes em expor a violência doméstica que sofria e buscar justiça nasceu a Lei 11.340/2006,que pune os agressores. Ainda outro dia,festejávamos a bravura da francesa Gisèle Pelicot,vítima de estupros em série planejados pelo próprio marido. Ela comoveu o planeta ao abrir mão do anonimato para “fazer a vergonha mudar de lado”. Espera-se,com isso,que a França avance em legislação mais clara e rígida contra agressores sexuais.

Dias antes de a manifestação do Rio de Paz ser removida,o Instituto Fogo Cruzado informou que,em 2024,26 crianças foram atingidas por balas perdidas na Região Metropolitana do Rio; quatro morreram. Foi o maior número de baleados em nove anos de acompanhamento. Em novembro,o Fórum Brasileiro de Segurança Pública contabilizou que,em uma década,445 mil pessoas negras foram assassinadas no país. Em 2023,de cada cem vítimas de letalidade violenta,78 tinham a pele preta ou parda.

É uma carnificina naturalizada,que não comove,não tira o sono,mal para a rotina de um bairro. O esforço de exibir nomes e retratos dos brasileirinhos mortos por bala perdida no Grande Rio,como fez a Rio de Paz,tem a intenção de escancarar a humanidade de cada um; expor a injustiça; exigir indignação; despertar empatia; cobrar solução. Mas,no meio do caminho,estão a pedra da burocracia,a rocha do conservadorismo.

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