Contas públicas: andamento de ‘pente-fino’ em benefícios neste ano indica dificuldades para 2025

A revisão de gastos com benefícios é uma das principais apostas do governo para equilibrar as contas públicas. Para especialistas,porém,o pente-fino está lento — Foto: rafapress/Shutterstock

RESUMO

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GERADO EM: 09/09/2024 - 04:00

Revisão de gastos públicos e desafios fiscais em 2025

Revisão de gastos públicos,incluindo benefícios como o auxílio-doença e o BPC,avança lentamente,impactando a meta fiscal zero em 2025. Especialistas apontam a necessidade de reformas estruturais para equilibrar as contas,enquanto o governo enfrenta desafios na economia prevista. Ações como o pente-fino visam combater fraudes,porém a eficácia e urgência das medidas são questionadas. Medidas como o auxílio-gás exemplificam a resistência do governo em reduzir gastos,aumentando a pressão sobre despesas futuras.

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Uma das principais apostas da equipe econômica para equilibrar as contas públicas,a revisão de gastos com programas do governo anda a passos lentos neste ano e reforça a dificuldade de atingir a meta fiscal zero em 2025. Essa incerteza se soma às dúvidas em relação à capacidade do governo de obter R$ 166 bilhões em receitas extras para fechar as contas no ano que vem.

Em 2024,a previsão é poupar R$ 10 bilhões,principalmente com gastos do INSS. Mas,a quatro meses do fim do ano,a economia alcançada com os benefícios previdenciários é de cerca de 40% do total. Já no ano que vem,o governo conta com a redução de R$ 25,9 bilhões em gastos obrigatórios com a iniciativa,focada novamente no INSS.

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Entre analistas em contas públicas,há dúvidas se essas medidas serão suficientes. Os especialistas ainda argumentam que o combate a irregularidades faz parte da rotina dos ministérios,não sendo algo adicional para lidar com o avanço dos gastos públicos.

Segundo eles,para garantir a sustentabilidade do arcabouço fiscal,será necessário avançar na desindexação do Orçamento e em mudanças estruturais que diminuam o tamanho dos programas. O governo,decidiu adiar essa discussão para o ano que vem por conta das eleições municipais.

Auxílio-doença e BPC

— Foto: Editoria de Arte

O pente-fino vem sendo realizado desde o ano passado,com o objetivo de combater fraudes e irregularidades na concessão de benefícios. Diante de evidências de pagamentos indevidos no final do governo Jair Bolsonaro,o primeiro alvo foi o Bolsa Família.

Este ano,as principais apostas são o uso da ferramenta Atestmed,que concede auxílio-doença sem necessidade de perícia (R$ 5,6 bilhões) e a reavaliação de benefícios desse tipo que já foram concedidos (R$ 2,973 bilhões). Com o Atestmed,a folga foi de 35% do total previsto.

“‘Spending review’ (revisão de gastos) é algo mais amplo do que combater fraudes. Deveria se referir a revisões efetivas de programas ruins,que não estão gerando o resultado pretendido originalmente. Nisso,entendo que ainda há pouco avanço”

— Felipe Salto,economista-chefe da Warren Rena

Já a reavaliação do auxílio-doença teve início em julho,com a previsão de analisar 800 mil benefícios. Até agora,258 mil passaram por perícia,o que resultou no cancelamento de 133 mil,gerando um corte de R$ 1,3 bilhão até o fim de 2024.

Felipe Salto,economista-chefe da Warren Rena e ex-secretário da Fazenda de São Paulo,avalia que o pente-fino é positivo e deve continuar para combater as fraudes,que são inaceitáveis. Mas pondera que essa agenda é permanente e está aquém do esperado este ano.

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— Em 2024,colocou-se uma premissa a título de combate a fraudes que,a julgar pelos números realizados até agora,não se materializaram. Spending review (revisão de gastos) é algo mais amplo do que combater fraudes. Deveria se referir a revisões efetivas de programas ruins,entendo que ainda há pouco avanço — avalia Salto.

Do total previsto para economizar no ano que vem,maior parte (R$ 6,4 bilhões) virá da revisão do Benefício de Prestação Continuada (BPC),pago a idosos e pessoas com deficiência de baixa renda,no valor de um salário mínimo. Dentro do governo,esse número é visto como incerto,pois novos beneficiários podem ser incluídos,e a revisão só começa ano que vem.

Outros R$ 10,5 bilhões têm,mais uma vez,foco no auxílio-doença (Atestmed,reavaliação e medidas cautelares). Há ainda contribuições previstas do Bolsa Família (R$ 2,3 bilhões),gastos com pessoal (R$ 2 bilhões),Proagro (R$ 3,7 bilhões) e seguro-defeso (R$ 1,1 bilhão). Este último depende de aprovação de medidas pelo Congresso.

Necessidade de reforma

O economista Manoel Pires,coordenador do Centro de Política Fiscal da FGV,afirma que o governo dificilmente cumprirá o arcabouço se,na estratégia para equilibrar as contas públicas,não incluir reformas estruturantes. Nem todos os benefícios que vão passar por pente-fino são irregulares,e trabalhar com uma arrecadação não recorrente sem margem de segurança é arriscado,diz:

— Sou a favor de mesclar aumento de arrecadação,uma agenda de controle de despesa e ter alguma reforma estrutural. Com essas três coisas andando juntas,é possível resolver o problema,de forma equilibrada,justa,e,ao mesmo tempo,obter um alívio no cenário de longo prazo,com benefícios a partir de hoje.

“Está devagar em relação à urgência do quadro fiscal”

— Vilma Pinto,diretora da IFI

Uma amostra da dificuldade do governo Lula pode ser vista em outra gestão. Entre 2016 e 2018,o governo Temer obteve uma economia de R$ 14,5 bilhões com revisão de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez. Mas,segundo técnicos do INSS,metade dos benefícios cancelados foi reativada pela Justiça.

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Vilma Pinto,diretora da Instituição Fiscal Independente (IFI),avalia que o governo conseguirá cumprir a meta em 2025,levando-se em conta que o arcabouço permite um déficit de até 0,25% do PIB. Contudo,destaca que a proposta contém riscos “nada desprezíveis”,que podem obrigar o governo a fazer bloqueios e contingenciamentos,pressionando ainda mais as despesas discricionárias.

A questão,diz,é saber até quando o governo poderá levar essa situação sem fazer algum tipo de reforma estruturante nas despesas.

— A discussão é quanto tempo você pode esperar para fazer essas reformas. Se começa agora e quanto isso vai levar para surtir efeito e tornar as despesas compatíveis com o regime fiscal — diz Vilma,que considera positiva a iniciativa de melhorar a qualidade do gasto. — Mas está devagar em relação à urgência do quadro fiscal que está se colocando.

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Executivo não é ‘vítima’ de gastos,diz economista

O ex-secretário do Tesouro Nacional e chefe de macroeconomia do ASA,Jeferson Bittencourt,avalia que o governo tem margem nas despesas discricionárias (não obrigatórias) para “apertar o cinto” e chegar até o fim do mandato cumprindo o limite de gastos do arcabouço fiscal.

A fatia de discricionárias em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) deve ficar em 1,7% no ano que vem,segundo a proposta orçamentária,bem acima dos níveis observados no período de vigência do teto de gastos. Em 2021,essa participação ficou abaixo de 1,4% do PIB. Nessa conta,estão despesas de manutenção do governo e investimentos.

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— Uma eventual discussão sobre o limite de gastos reflete muito mais a intolerância política do governo de viver com menos despesa do que um risco de shutdown (paralisia) da máquina pública. A gente tem margem na despesa discricionária longe de um risco de shutdown — afirma Bittencourt.

O caso do auxílio-gás

Para o economista,o caso do auxílio-gás é sintomático dessa baixa inclinação a viver com pouca despesa. Um projeto do Executivo,que precisa passar pelo Congresso,permite pagar esse programa fora do arcabouço,via Caixa Econômica Federal.

Estima-se que os gastos com o auxílio-gás em 2025 passem de R$ 3,5 bilhões para R$ 5 bilhões,sendo que apenas R$ 600 milhões foram contemplados dentro das despesas públicas no ano que vem. A outra parte seria financiada fora do arcabouço fiscal.

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Em 2027,por sua vez,será outro mundo,diz Bittencourt,porque os gastos com precatórios (sentenças judiciais) voltarão a ser contabilizados em sua totalidade dentro do limite de despesas. No ano que vem,por exemplo,R$ 44 bilhões estão fora das regras fiscais por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). Nesse caso,as discricionárias tenderiam a ficar perto de 1% do PIB,nível em que há alto risco de “apagão” da máquina.

— É difícil aceitar o governo como vítima do crescimento da despesa obrigatória,sendo que a maior parte do crescimento foi decidida a partir da PEC da Transição (aprovada em 2022 por pedido do então governo de transição),com a retomada da regra antiga dos pisos de Saúde e Educação,e da política de valorização do salário mínimo — afirmou.

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