Alerta contra impunidade ignorado há dez anos

Dilma e Lula tiveram papel importante na implantação da Comissão Nacional da Verdade — Foto: Givaldo Barbosa / Agência O Globo

RESUMO

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GERADO EM: 09/12/2024 - 21:57

"Uma década da Comissão da Verdade: impunidade e ameaças à democracia no Brasil"

Uma década após a entrega do relatório da Comissão Nacional da Verdade,a impunidade dos crimes da ditadura militar persiste,alimentando práticas autoritárias. Recomendações não cumpridas levam a questionamentos sobre o Brasil ser diferente hoje se a justiça fosse feita. O Instituto Vladimir Herzog destaca a importância de responsabilização para proteger a democracia. A falta de ação histórica legitima pedidos de anistia e evidencia a continuidade de práticas golpistas,como recente plano de assassinato de autoridades. A luta pela memória e justiça é crucial para o futuro democrático do país.

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Uma década depois,desde a entrega do relatório da Comissão Nacional da Verdade (CNV),de cujas 29 recomendações apenas duas foram cumpridas,podemos afirmar que a certeza da impunidade se consolidou num legado perigoso: crimes graves contra o Estado Democrático de Direito podem ser ignorados,seja em nome de uma “reconciliação”,de um apaziguamento que nos obrigou a conviver com as sombras de um passado que hoje se faz mais do que nunca presente.

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A ausência de responsabilização pelos crimes cometidos durante a ditadura militar (1964-1985) não apenas deixou cicatrizes abertas,mas também pavimentou o caminho para a perpetuação de práticas autoritárias e ataques à democracia.

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Portanto,neste marco é preciso considerar os aprendizados que nos foram colocados e os desafios a superar. Parte desse exercício consiste em relembrar o período em que a CNV foi gestada e ter como referência o papel que figuras como Lula,Dilma Rousseff e Paulo Vannuchi desenvolveram para que a comissão fosse possível.

Em 2005,Vannuchi assumia a Secretaria de Direitos Humanos e o compromisso de enfrentar o legado do regime militar. Com sua articulação política e o apoio de Lula,criou a CNV,que,em 2012,viria a ser instalada por Dilma,num gesto de necessária coragem.

Anos depois,o relatório da CNV não só revelava as já conhecidas atrocidades da ditadura,mas apontava caminhos para,em certa medida,resolver e,sobretudo,reparar nossa história de violações. No entanto,dez anos depois,o balanço feito pelo Instituto Vladimir Herzog sobre as recomendações da comissão revelou poucos avanços nas políticas de reparação e responsabilização. De 29 recomendações,48% não foram realizadas e 24% sofreram retrocesso. As 13 específicas para povos indígenas caminham para o retrocesso,e as sete que envolvem a população LGBTQIA+ foram parcialmente realizadas.

A pergunta que fica e seguirá provavelmente sem resposta é: se essas recomendações tivessem sido plenamente implementadas,o Brasil seria um país diferente hoje? Talvez pudéssemos afirmar que,no mínimo,teríamos uma democracia com menos cicatrizes golpistas.

O Instituto Vladimir Herzog,como amicus curiae da ADPF 320 — arguição protocolada em 2014 que questiona a interpretação dada à Lei de Anistia —,considera que essa é uma discussão fundamental para a consolidação de um futuro democrático.

O relatório da CNV já alertava: a falta de justiça pelos crimes da ditadura alimentava a repetição de práticas autoritárias que legitimavam movimentos que atentam contra a democracia. Apesar das recomendações da CNV e de compromissos internacionais,esses delitos seguem sem responsabilização. Tal brecha histórica legitima pedidos atuais de anistia para crimes explícitos contra a democracia,como os ataques de 8 de janeiro de 2023.

O recente desmantelamento de um plano para assassinar o presidente Lula,seu vice,Geraldo Alckmin,e o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes evidencia a perigosa continuidade de práticas golpistas sustentadas pelo histórico de impunidade.

Neste marco de dez anos do relatório da CNV,hoje,devemos nos lembrar de que a luta pela memória,verdade e justiça é contínua e que romper esse ciclo de não responsabilização é essencial para proteger o futuro democrático do país.

*Rogério Sottili é diretor executivo do Instituto Vladimir Herzog

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