Sem precisar comprovar capacidade técnica, empresa vai gerir mão de obra de unidade da Fiocruz que produz vacinas

Instalações da fábrica de vacinas da Fiocruz,Bio-Manguinhos,no Rio de Janeiro. — Foto: Bernardo Portella e Peter Ilicciev / Divulgação Bio-Manguinhos - Fiocruz

RESUMO

Sem tempo? Ferramenta de IA resume para você

GERADO EM: 23/10/2024 - 04:30

"Empresa novata na indústria farmacêutica gerenciará mão de obra da Fiocruz em contrato de R$1,34 bi"

Empresa sem experiência na indústria de fármacos gerenciará mão de obra da Fiocruz. Disputa envolve contrato de R$1,34 bi por 2 anos,podendo chegar a 10 anos. TCU suprime exigência,mas processo ainda em análise. Fundação segue orientações,mas embate judicial persiste.

O Irineu é a iniciativa do GLOBO para oferecer aplicações de inteligência artificial aos leitores. Toda a produção de conteúdo com o uso do Irineu é supervisionada por jornalistas.

CLIQUE E LEIA AQUI O RESUMO

A contratação de uma nova empresa para fornecer a mão de obra necessária para o funcionamento do Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos) — unidade da Fundação Oswaldo Cruz responsável por produzir vacinas e medicamentos fundamentais para a saúde pública do Brasil e de outros países — está envolvida em um imbróglio. Após decisão do Tribunal de Contas da União (TCU),retirando cláusula do edital de pregão que determinava a apresentação de atestado de capacidade técnica na gestão de pessoal de indústria de fármacos,a Real JG Facilities S.A. foi homologada como vencedora da licitação. Duas empresas ingressaram com recurso de reexame do acórdão,e o processo ainda não foi transitado em julgado,mas a Bio-Manguinhos já assinou contrato na última esta segunda-feira com a Real JG.

Órgãos infectados: MP denuncia seis de laboratório por associação criminosa,lesão corporal e falsidade ideológicaSem precedentes: Seis pessoas testam positivo para HIV após receberem órgãos transplantados no Rio; Ministério da Saúde determina auditoria no sistema de transplante do estado

A disputa pela prestação do serviço é acirrada. Do certame,participaram 16 empresas. Afinal,o contrato,de dois anos e que entra em vigor em janeiro de 2025,totaliza R$ 1,34 bilhão. Há possibilidade de prorrogação por até dez anos. E a empresa deverá cobrir pelo menos 1.157 postos de trabalho,que incluem de faxineiros a doutores que produzem vacinas.

Atual prestadora,a Nova Rio Serviços Gerais Ltda fornece mão de obra para Bio-Manguinhos há 20 anos. Ela ingressou com um dos recursos de reexame do acórdão do TCU,que seguiu relatório do ministro João Augusto Ribeiro Nardes. O outro pedido de reexame foi feito pela Seres - Serviços de Recrutamento e Seleção de Pessoal S.A.

Declarada vencedora do certame,a Real JG pertence à família do ex-deputado pelo Distrito Federal José Gomes,que,em 2021,chegou a ser condenado à perda de mandato e à prisão em regime semiaberto,por coação eleitoral na eleição de 2018. Em 2022,o Tribunal Regional Eleitoral do Distrito Federal (TRE/DF) manteve a condenação,mas reduziu a pena,de três anos anos e dois meses para dois anos,quatro meses e dez dias. Segundo denúncia feita pela MP Eleitoral,José Gomes teria coagido funcionários da Real JG,que pertencia ao parlamentar,para conseguir votos.

O advogado Expedido Barbosa Júnior,da Real JG,diz que José Gomes não tem mais qualquer vínculo com a empresa desde 2018. Afirma ainda que ele concluiu o seu mandado como deputado distrital e que não possui "qualquer tipo de condenação transitada em julgado,quer na esfera criminal quanto na esfera eleitoral,eis que os processos ainda se encontram em andamento nas instâncias competentes". Também informa que o deputado foi eleito pelo PSB,mas hoje está filiado ao PP,embora não tenha mais envolvimento com a política.

A Fundação Oswaldo Cruz informa que "sendo uma instituição jurisdicionada ao TCU,seguiu as determinações do próprio órgão". Por sua vez,o TCU argumenta que o item suprimido "afronta os princípios da legalidade,da competitividade e da isonomia entre os licitantes".

Em 2023,mais de 91 milhões de doses

Criado em 1976,o Bio-Manguinhos forneceu,em 2023,mais de 91,6 milhões de doses de vacinas. Segundo o site da unidade,no ano passado foram entregues mais de 8,9 milhões de frascos/seringas de biofármacos e 9,7 milhões de kits para diagnóstico.

O Complexo Tecnológico de Vacinas (CTV) do instituto,instalado no campus da Fiocruz,garante a autossuficiência em vacinas essenciais para o calendário básico de imunização do Ministério da Saúde (MS). O excedente de sua produção é exportado para mais de 70 países,através das agências das Nações Unidas. Desde 2001,a vacina contra a febre amarela do instituto é pré-qualificada junto à Organização Mundial da Saúde (OMS) para ser fornecida a outras nações.

Bolsonarista,olavista e próximo de Dr Luizinho: Saiba quem é o novo diretor executivo da Fundação Saúde

A nova licitação para a contratação do pessoal que trabalha na instituição foi lançada em 2023. No entanto,uma representação da BK Consultoria e Serviços Ltda — outra empresa que estava na disputa — levou o TCU a suspender o processo. O ministro Nardes,em seu relatório,vota pela continuidade do pregão e pela retirada de um item de capacidade técnica do edital,que previa a comprovação de ter executado contratos de "serviços de apoio administrativo e técnico às atividades de desenvolvimento tecnológico ou produção industrial no segmento farmacêutico e/ou veterinário".

Nardes alega que a obrigatoriedade de tal atestado “caracterizou exigência ilegal,com afronta aos princípios da legalidade,da competitividade e da isonomia entre os licitantes e ao entendimento jurisprudencial consolidado por este Tribunal (Acórdãos 1.168/2016,553/2016,1.443/2014 e 1.214/2013,do Plenário,e 744/2015,da 2ª Câmara,dentre outros),além de ter colocado em risco o caráter competitivo do certame,devendo,por esse motivo,ser suprimido”.

Embargos de declaração foram impetrados e rejeitados pelo ministro. E,em agosto último,o tribunal acolheu o voto de Nardes. Foram,então,interpostos os pedidos de reexame. Neste caso,a posição de quem perdeu a disputa é a de que o relatório contraria entendimento do corpo técnico do TCU,da lei e da jurisprudência. Além disso,argumenta que o processo não poderia ter retornado para a fase de habilitação,por contrariar o artigo 56 da Lei 14.133,sendo necessário republicar o edital.

Na briga,a Nova Rio foi também ao Judiciário. Impetrou mandado de segurança,que teve efeito suspensivo,mas foi derrubado pela Procuradoria. Há um agravo de instrumento dessa decisão sendo interposto.

A íntegra do que diz a Fiocruz

Por e-mail,a Fiocruz ressalta que "sendo uma instituição jurisdicionada ao TCU,seguiu as determinações do próprio órgão (Acórdão 1589/2024-TCU-Plenario) para o processamento da licitação de terceirização".

Quanto ao prosseguimento do certame,sem a necessidade de apresentação de capacitação técnica pelas empresas,a fundação destaca que "a atestação prevista no edital é relevante sob a perspectiva de Bio-Manguinhos/Fiocruz",mas reiterou que cumpriu "os exatos termos do Acórdão 1589/2024-TCU-Plenario".

292 contratos: Na Fundação Saúde,valores de contratos sem licitação são três vezes maiores que os de pregões

Em relação à manutenção do contrato,a fundação ressalta que não cabe à unidade Bio-Manguinhos/Fiocruz "avaliar a possibilidade de anulação,estando tal medida na esfera de competência do TCU ou do Poder Judiciário". Ela acrescenta que a empresa vencedora do pregão comprovou "a capacidade de gerenciamento de mão de obra" ..."mediante atestado". O órgão enfatiza ainda que "a capacidade da empresa é medida por um conjunto de atestados" e que "apenas um deles teve sua exigência retirada pelo TCU".

A íntegra do que diz o TCU

Também por e-mail,o TCU confirma que existe recurso pendente de apreciação e que o relator é o ministro Jhonatan de Jesus. O recurso será apreciado em plenário,mas ainda "não há prazo previsto para julgamento".

Segundo o tribunal,a licitação poderia ser concluída,independentemente do julgamento do recurso. "De acordo com o item 9.2 do acórdão 1589/2024-Plenário,o TCU autorizou o prosseguimento do Pregão Eletrônico 262/2023,desde que excluída a exigência constante do item 7.19.2.1.1 do edital",diz. "O TCU entendeu que a exigência prevista nesse item era ilegal,por afrontar os princípios da legalidade,da competitividade e da isonomia entre os licitantes",prossegue.

A resposta do advogado da Real JG Facilities S.A.

"A empresa Real JG Facilities S.A. vem pela presente informar que,conforme os questionamentos apresentados,o ex-deputado distrital Sr. José Gomes não é mais o dono da empresa desde o ano de 2018,ocasião em que se afastou em definitivo do quadro social desta.

De igual forma,informa ainda que não apresentou nenhum tipo de recurso ou mesmo questionamento junto ao Eg. TCU e muito menos questionou judicialmente qualquer tipo de tema quanto ao objeto do contrato firmado com o Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos - Bio-Manguinhos da Fundação Oswaldo Cruz – Fiocruz. No entanto,de se informar que a empresa Real JG,enquanto prestadora de serviços de terceirização de mão de obra,e aliada ao fato de ser uma das maiores empresas em atuação no setor da gestão de mão de obra terceirizada,possui completamente todos os requisitos para conduzir de modo exemplar o contrato que ora acaba de assinar.

No mesmo passo informa que,segundo conhecimento público e notório,o Sr. José Gomes enquanto deputado,concluiu o seu mandato de deputado distrital,e não possui,segundo os apontamentos da Justiça Eleitoral,qualquer tipo de condenação transitada em julgado,eis que os processos ainda se encontram em andamento nas instancias competentes (Expedito Barbosa Júnior)".

Declaração: Este artigo é reproduzido em outras mídias. O objetivo da reimpressão é transmitir mais informações. Isso não significa que este site concorda com suas opiniões e é responsável por sua autenticidade, e não tem nenhuma responsabilidade legal. Todos os recursos deste site são coletados na Internet. O objetivo do compartilhamento é apenas para o aprendizado e a referência de todos. Se houver violação de direitos autorais ou propriedade intelectual, deixe uma mensagem.
© Direito autoral 2009-2020 Revista Portuguesa      Contate-nos   SiteMap